quinta-feira, 12 de março de 2015

Realidades do Maracatu Rural para além do marketing cultural

Realidades do Maracatu Rural para além do marketing cultural

Este é um pequeno relato sobre experiências de um grupo de Maracatu Rural de Pernambuco em polos de carnaval de algumas cidades da Zona da Mata Norte. Apesar de ser um relato sobre vivências recentes e específicas de apenas um grupo, elas têm um caráter mais amplo e se reproduzem de forma sistemática na relação do Estado com outras agremiações de Maracatu Rural. O texto vem expor a maneira humilhante e abusiva com que alguns governos municipais tratam os brinquedos de maracatu durante o ano e, principalmente, no carnaval. Uma realidade bem diferente da que é proposta nos planos de marketing e publicidade para venda do Maracatu Rural como produto cultural pelo mundo afora.
O Maracatu Rural no Carnaval na Zona da Mata
O carnaval de Pernambuco tem hoje na figura do caboclo de lança o seu principal produto de marketing cultural. Na Mata Norte este marketing é, por vezes, excessivo. O caboclo de lança está presente em todos os locais: cartazes, placas, outdoors, nomes de estabelecimentos comerciais e, é claro, na decoração do carnaval das cidades. Diversas prefeituras da Mata Norte vendem seus carnavais tendo o maracatu como principal atração cultural. Ironicamente, apesar do uso midiático intenso da figura-ícone do Maracatu Rural, o orçamento defasado das prefeituras para os grupos e a forma como os mesmos são tratados expõem a crueldade desta relação de exploração entre prefeituras e grupos culturais.

“[...] um maracatu com mais de 80 componentes, que viaja quilômetros com um elenco formado de brincantes das mais variadas idades entre crianças e idosos, chega a receber entre R$ 200,00 e R$ 300,00 por apresentação”

Para se ter uma ideia, um maracatu com mais de 80 componentes, que viaja quilômetros com um elenco formado de brincantes das mais variadas idades entre crianças e idosos, chega a receber entre R$ 200,00 e R$ 300,00 por apresentação nas cidades de Tracunhaém, Buenos Aires, Araçoiaba, entre outras. As exceções são Recife, Olinda, Nazaré da Mata, Aliança e algumas poucas cidades cujos cachês são mais altos. No Recife, estes bons cachês estão diretamente relacionados com as diferentes categorias de agremiações que competem durante o carnaval. Apenas o seleto Grupo Especial (formado por apenas seis agremiações de Maracatu Rural), o Grupo I (formado por dezessete agremiações) e o Grupo II (formado por dezenove agremiações) conseguem acessar as apresentações na região metropolitana do Recife. Já o Grupo de Acesso (formado por dezoito agremiações) e os Grupos Aspirantes (todas as outras agremiações restantes) têm que se contentar com os cachês irrisórios propostos pelas prefeituras do interior. Este texto foca na realidade destes dois últimos grupos. É importante lembrar que existem em torno de 104 grupos de Maracatu de Baque Solto no Estado.
Não raro os cachês previamente acertados com os maracatus são diminuídos no ato do pagamento, quando das suas apresentações nos palanques principais das cidades. Para onde vai o dinheiro inicialmente acertado, ninguém sabe. Isso poderia ser parte de uma investigação do Ministério Público para encontrar possíveis nichos de corrupção. Como exemplo real, no carnaval deste ano a Prefeitura de Bom Jardim acertou um cachê de R$ 1.200,00 com os grupos de maracatu. Findas as apresentações, cada grupo recebeu um cheque pré-datado de R$ 500,00 para depois do carnaval. Os outros R$ 700,00 não foram recebidos. Vale salientar que a espera na fila para se apresentar no palanque da cidade foi em média de quatro horas e meia. O mesmo se deu com a Prefeitura de Paudalho que prometeu pagamento de um cachê não revelado logo após o carnaval mas, passados os festejos de momo, o dinheiro ainda não caiu nas contas dos maracatus.

“Não só os cachês humilhantes expõem a desvalorização estatal pela cultura do maracatu.”

Não só os cachês humilhantes expõem a desvalorização estatal pela cultura do maracatu. A forma de tratamento aos grupos também é desrespeitosa e recheada de preconceito por conta da origem humilde do folguedo. Há um paralelo no tratamento dado aos trabalhadores da cana e o tratamento dado aos maracatus onde os códigos de exploração são reproduzidos na forma de desprezo. Como exemplo real, a Prefeitura de Buenos Aires sempre dá prioridade aos blocos de trio elétricoem detrimento à apresentação dos maracatus que são obrigados a esperar horas pelo encerramento do desfile destes blocos. Isso se dá ao mesmo tempo em que Buenos Aires se intitula a cidade do caboclo de lança. Há ainda o caso da prefeitura de Itaquitinga, que negou a apresentação de um grupo de maracatu porque o mesmo chegou três minutos além do horário previsto para o fechamento do palanque e friamente noticiou que o grupo deveria retornar no outro dia enquanto abria passagem para um poderoso trio elétrico. Não imagina a secretaria de cultura deste município a difícil logística de deslocamento desta agremiação pelas estradas da Mata Norte.
Por essas e outras é extremamente importante expor esses fatos que poucos conhecem, mas que todo brincante do Maracatu Rural está cansado de vivenciar durante todo o ano. Apesar de ser a menina dos olhos na publicidade do carnaval de Pernambuco, a cultura do Maracatu Rural apenas sobrevive pois inexistem políticas públicas que garantam a autonomia econômica para esse imenso contingente populacional que forma os mais de cem grupos do estado. O que existe, infelizmente, são apenas esmolas.

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